terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A CARTA À IGREJA DE LAODICÉIA - Ap 3.14-22


FONTE: Mais Que Vencedores - William Hendriksen

Laodicéia estava situada nas vizinhanças de águas termais. Emitir água quente da boca era uma figura que seus cidadãos podiam bem compreender. Uma famosa escola de medicina cresceu ali, produzindo, entre outras coisas, um remédio para olhos fracos. Nessa cidade, a macia lã negra das ovelhas do vale era tecida em peças de roupa. Laodicéia, porém, era mais conhecida por sua riqueza. Localizada na confluência de três grandes estradas - para certificar-se, consulte um mapa ela cresceu rapidamente e se transformou num grande centro fi­nanceiro e comercial. Era o lar de muitos milionários. Havia, é claro, teatros, um estádio e um ginásio equipado com ba­nhos. Era a cidade de banqueiros e financistas. Tão rica era essa cidade que seus habitantes declinaram receber ajuda do governo após a cidade ter sido parcialmente destruída por um terremoto.[1]
Os cidadãos de Laodicéia eram ricos - e sabiam disso! Eles eram insuportáveis. Mesmo as pessoas da Igreja demonstravam essa atitude orgulhosa, desafiadora e presunçosa. Talvez imagi­nassem que sua riqueza era sinal de algum favor especial de Deus. A certa altura eles começaram a pensai- que "tinham che­gado lá". Estavam imbuídos do espírito que dominava a cidade. Orgulham-se de suas riquezas espirituais.[2] Se os habitantes de Laodicéia tivessem dito o que pensavam, sua linguagem seria como se segue - ouçam atentamente a um desses insuportáveis jactanciosos que representa o resto deles: "Estou rico e abastado, e não preciso de cousa alguma" (verso 17).
E fácil ver que essas pessoas não eram perturbadas por qualquer consciência de pecado. Jamais pensariam em ficar distantes, com olhos tristes e cabeças tombadas, suspirando e dizendo: "O Deus, misericordioso para comigo, um peca­dor". Eles haviam "chegado lá"! Conforme seu próprio modo de pensar, não tinham necessidade de qualquer admoestação e podiam ser mornos quanto a qualquer exortação. "Morno" é a palavra. O povo de Laodicéia sabia exatamente o que isso signi­ficava. Morno, tépido, lasso, claudicante, tíbio, sempre pronto a se comprometer, indiferente, desatento: Uma atitude de "somos todos boa gente aqui em Laodicéia". O autor deste livro se tor­nou pessoalmente familiarizado com essa atitude da parte de alguns membros de Igreja. É impossível se fazer qualquer coisa por essa gente. Com os pagãos, quer dizer, com aqueles que nunca tiveram contacto com o evangelho e que, portanto, são "frios" quanto a ele, pode-se fazer alguma coisa. Com cristãos sinceros e humildes, pode-se trabalhar com alegria. Mas com esses "somos todos boa gente aqui em Laodicéia", nada há que possa ser feito. Até mesmo o próprio Cristo não pode suportá-los. Uma emoção, um sentimento é aqui atribuído ao Senhor que em nenhum outro lugar lhe é atribuído na Bíblia. Não le­mos que ele está ofendido com eles. Nem que ele está irado contra eles. Não, ele está enojado de tais indecisos. E não apenas levemente enjoado, mas totalmente nauseado. "Assim, porque és morno, e nem és quente nem frio, estou pronto a vomitar-te de minha boca." Sabendo muito bem que toda a sua religião é somente muita simulação e fingimento, muita hipocrisia, o Senhor se apresenta como o exatamente oposto: "Estas coisas diz a teste­munha fiel e verdadeira". Noutras palavras, o Senhor revela-se aqui como aquele cujos olhos não somente vêem exatamente o que se passa no coração dessa gente de Laodicéia, mas cujos lábios também declaram, exatamente, a verdade que vêem. Ele de­clara, sobretudo, que ele é "o princípio da criação de Deus", isto é, a fonte de toda a criação (çf. 21.6; 22.13; Jo 1.1; Cl 1.15-18). "Gente de Laodicéia, vocês precisam tornar-se novas criaturas: precisam de novos corações. Tornem-se a mim, portanto, para que sejam salvos."
Embora ele esteja totalmente enojado dessa igreja porque ela falha em seus deveres de portadora da luz, não obstante, há graça aqui: maravilhoso amor cheio de carinho e admoestação. Cristo, na verdade, não diz: "Irei vomitá-los de minha boca", mas: "Estou prestes a vomitar-te de minha boca". O Senhor ainda aguarda. Ele envia essas cartas a fim de retirá-los dessa mornidão espiritual. E, verdadeiramente, severo na sua condenação exa­tamente porque ele é manso e carinhoso, amoroso e gracioso.
A essa congregação, e, portanto, ao seu membro típico, o Senhor diz: "...pois dizes: Estou rico e abastado, e não preciso de cousa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu". Deve-se notar que não é "miserável", mas lastimável. Quem é mais lastimável do que um indivíduo que imagina ser um bom cristão, quando, na realidade, o próprio Cristo está sumamente enojado dele? Leia essas palavras len­tamente e tente ver a figura de um indivíduo que tenha estas cinco características combinadas: vileza, mesquinhez, bajulação servil, cegueira e nudez!
"Aconselho-te." Quão suave ele fala - não "ordeno-te", mas "aconselho-te". Cristo aconselha essa igreja a comprar dele - o "de mim" é bastante enfático - ouro refinado pelo fogo, vestes brancas e colírio. Em poucas palavras: "compre salva­ção", pois a salvação é ouro que enriquece (2 Co 8.9); é veste branca que cobre a nudez ou nossa culpa e reveste-nos com justiça, santidade e alegria no Senhor; é colírio que, quando possuído, não mais nos deixa cegos. A salvação tem de ser com­prada, isto é, precisamos obter a justa posse dela. Mas como podem, aqueles que são pobres, e tudo o mais, comprar qual­quer coisa? Leia Isaías 55.1ss. e você terá uma resposta!
Há algo mais maravilhoso em toda a Bíblia do que isso, que a essa gente morna com que o Senhor está tão desgostoso a ponto de vomitá-los de sua boca, ele se dirija com estas palavras: "Eu repre­endo e disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te. Eis que estou à porta e bato..."
Observe que o Senhor está instando para que a porta seja aberta. Não apenas isso, mas - como fica evidente no próximo verso - ele mesmo é quem está batendo repetidas vezes e cha­mando o pecador. Note a frase "se alguém ouvir a minha voz". Não é a pessoa no interior que toma a iniciativa. Não, esse texto está em total harmonia com a Bíblia toda nos ensinamentos concernentes à graça soberana. É o Senhor que está à porta, ou contra a porta - ninguém o chamou - batendo, não uma, mas repetidas vezes: é ele quem chama, e sua voz no evangelho aplicado ao coração pelo Espírito é o poder de Deus para a salvação. Dessa forma, essa passagem faz justiça tanto à graça divina soberana quanto à responsabilidade humana.[3]
"Se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo." Observe que ele diz "se alguém..."; o Senhor dirige-se a indivíduos. A salvação é uma coisa muito pessoal; quando o coração é aberto pela voz do Senhor, esse princípio de regeneração se torna ativo para que, pelo Espírito Santo, o indivíduo regenerado abra a porta e receba a Cristo. O abrir da porta é o que, geralmente, é chamado de conversão. Não confunda regeneração (Jo 3.3ss.; At 16.4) com conversão. Aqui, na expressão: "Se alguém abrir a porta", a referência é feita à conversão, ao arrependimento e à fé em Cristo, como o contexto claramente indica. O Senhor entra (Jo 14.23). Que maravilha! Ele desce do trono de sua glória a fim de cear com esse indivíduo que, em si mesmo, é pobre e desprezível.
Cristo e o crente ceiam juntos, o que no Oriente é uma indicação de especial amizade e de uma aliança de comunhão. Noutras palavras, o crente tem uma abençoada comunhão com seu Salvador e Se­nhor (Jo 14.23; 15.5; 1 Jo 2.24). Essa comunhão começa aqui e agora, na presente vida. E aperfeiçoada na vida por vir quando o vencedor se assentará com Cristo no seu trono, assim como Cristo, o Vencedor, está assentado com seu Pai, em seu trono. O vencedor não somente reinará, mas reinará com Cristo (Ap 20.4), na mais íntima comunhão com ele.
"Aquele que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas."
A condição sétupla dessas igrejas existe, presentemente, ao mesmo tempo. Existe hoje. Tem existido durante este perío­do. Essas sete igrejas representam a Igreja toda durante toda esta dispensação. E grandemente evidente que uma questão im­portante seja esta: são essas igrejas fiéis à sua vocação? Apegam-se elas, firmes e diligentes, no nome do Senhor no meio das trevas deste mundo (Ap 1.20)? Noutras palavras, são elas candeeiros, portadoras de luz? Em Sardes e em Laodicéia o mundo parece ter triunfado. Vemos apenas uma tênue e bruxuleante chama; a luz está quase - mas não totalmente - apagada. Em Éfeso a luz ainda brilha, mas a chama está diminuindo. Em Pérgamo e em Tiatira, onde a tentação vinda da parte do mundo era intensa, a luz brilha, mas não tão forte quanto deveria ser. Em Esmirna e em Filadélfia, o verdadeiro caráter da Igreja como portadora da luz é revelado e ali se pode encontrar fidelidade a Cristo; portanto, exerce sobre o mundo uma influência benéfica. E essa Igreja uma portadora de luz? Essa é a maior questão em todas as cartas do Apocalipse. Ela é fiel ao Senhor no meio do mundo?
A tentação de tornar-se mundana e de negar a Cristo vem de três direções.[4] Primeiro, da parte da perseguição anticristã, a espada, as feras selvagens, a fogueira, a prisão (2.10,13; 2.9; 3.9) e os judeus que constantemente acusavam os cristãos diante das cortes romanas. Segundo, e intimamente relacionado ao primei­ro, da parte da religião romana, o culto ao imperador (2.13). A primeira fonte de tentação não pode ser separada da segunda. Terceiro, há a tentação da carne: o constante apelo a juntar-se às festas imorais dos pagãos a fim de assegurar a posição social e para usufruir os prazeres do mundo. E essa forma de tentação se relaciona à segunda, a forma religiosa. A Igreja está no mundo. Isso era verdade na época. Ela ainda está no mundo hoje. A Igreja deve brilhar nas trevas.
"Vós sois a luz do mundo - e os sete candeeiros são as sete igrejas."


[1]Ibid., pp. 413-423. Ver também W. J. McKnigth, art. já citado, pp. 5l9ss.
[2]E ponto de vista mantido por quase todos os comentaristas que eles se jactavam de sua riqueza espiritual e não, primariamente, de suas posses materiais. W. Milligan, contudo, defende um ponto de vista oposto.
[3]É claro que o homem, não Deus, é aqui representado abrindo a porta. O homem se
arrepende. A abertura da porta, então, refere-se à conversão, e não pode se referir à regeneração, a qual é totalmente uma obra de Deus. Na conversão, o homem tem parte ativa.

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